Quantas vezes na vida alguém questionou uma certeza absoluta sua e você, de bom grado, concordou em reexaminá-la?

CalvinDenial

“Não é negação. Eu apenas sou muito seletivo em relação à realidade que aceito.”

Brigitta foi promovida a Diretora Administrativa para a América do Sul em um grande conglomerado familiar.
Cria da casa, sua brilhante carreira a levara a ser a primeira mulher a ocupar uma alta diretoria na companhia.
Sua promoção foi enormemente comemorada por cada funcionário daquela sociedade.

Vinda de outra filial da organização, a primeira coisa que Brigitta fez ao tomar posse na matriz foi visitar pessoalmente cada setor da empresa.
Ela queria familiarizar-se com seus novos colaboradores.
E o que viu causou-lhe uma ótima impressão.
Por toda parte, as pessoas transmitiam muita satisfação e orgulho em trabalhar ali.
A companhia mostrava alma, unidade, vigor e modernidade.
Brigitta sentiu-se muito bem em fazer parte daquela grande família.

Completada a adaptação ao novo cargo, sua missão seguinte era apresentar-se à filial de Buenos Aires.
No dia que embarcava para lá entretanto, foi surpreendida no aeroporto por um telefonema de sua secretária.
A informação era de que os computadores centrais da matriz haviam parado de funcionar.
Brigitta tremeu.
Aquela era a semana de fechamento dos demonstrativos financeiros e a queda dos servidores naquele período era um verdadeiro desastre.
Decidiu abandonar a fila de embarque e voltar imediatamente para a empresa.

Ao chegar em sua sala, lembrou-se de que Acácio, o gerente de TI, lhe havia dito que o novo data center tinha apenas seis meses.
Mandou chamá-lo imediatamente.
Pediu um diagnóstico e depois de uma hora, o recebeu.
Parecia algo simples e fatídico.
A empresa contratada para instalar o data center havia feito tudo perfeito dentro da sala dos servidores.
Do lado de fora entretanto, a infraestrutura elétrica era a original da empresa.
Essa infraestrutura era antiga e provavelmente não havia suportado os equipamentos novos recém-instalados.

Brigitta compreendeu perfeitamente a situação.
Agradeceu a rapidez nas respostas e a eficiência no diagnóstico.
E então pediu urgência na solução do problema.
Saiu dali e foi jantar com seu irmão Gunter.
Comentou com ele o acontecido e para sua total surpresa, seu irmão questionou as justificativas de Acácio.
Gunter era engenheiro de infraestrutura e considerou improvável que a empresa de data center tivesse deixado de exigir infraestrutura elétrica adequada para o equipamento a ser instalado.
Sugeriu então que, de alguma forma, as exigências técnicas daquela empresa não tinham sido atendidas.
Mas Brigitta recusou-se a aceitar qualquer crítica ao trabalho de Acácio.
Primeiramente porque seu subordinado tinha lhe garantido que tudo fora feito conforme a contratada havia solicitado.
E depois porque, descartada a falha na execução, só restava a hipótese de má conduta.
E isso era inadmissível.
Não naquela casa.
Gunter simplesmente não entendia o espírito de corpo que reinava na companhia.
Ali todos eram sérios e dedicados.
Sempre tinham sido e sempre seriam.
Era isso que diferenciava aquela organização das demais no mercado.
Então deu aquela conversa por encerrada e simplesmente mudou de assunto.

Seis meses depois do episódio, Acácio deligou-se da empresa para abrir seu próprio negócio na área de TI.
O novo gerente contratado foi informado do problema ocorrido seis meses antes e resolveu fazer uma diligência técnica.
Descobriu uma série de inconsistências entre as instalações elétricas reais e os respectivos registros de execução.
Resumidamente, a maior parte do material comprado para renovar a infraestrutura externa ao data center não havia sido instalado.
Foi bastante fácil constatar que esse material todo simplesmente havia desaparecido.

“O que nos causa problemas não é o que não sabemos. É o que temos certeza que sabemos e que, no final, não é verdade.” – Mark Twain

Quantas vezes na vida alguém questionou uma certeza absoluta sua e você, de bom grado, concordou em reexaminá-la?
Arrisco-me a dizer que muito poucas, se é que houve alguma.
É compreensível.
Se nossa tendência natural é não questionar nossas verdades, menos ainda aceitamos que alguém as confronte.
O que fazemos é rapidamente desqualificar quaisquer pontos de vista que neguem o nosso.
E aliás nem é preciso que neguem.
Basta serem diferentes.

Acontece que nossas certezas, quanto mais absolutas são, mais contam com nosso comprometimento emocional.
E muito frequentemente contam também com nosso comprometimento público em sua defesa.
Então torna-se muito difícil para nós, abandonarmos uma posição muitas vezes ferozmente defendida.

O que parece é que, mais do que a certeza, estamos acima de tudo defendendo nossa vaidade pessoal.
E é justamente esta nossa vaidade, o obstáculo mais difícil a ser superado.
Oras, parece fácil dizer então que precisamos exercer o desprendimento.
A realidade é que, mesmo acreditando ser desprendidos, é raro termos consciência do quanto somos apegados às nossas convicções.

Então me parece que precisamos nos questionar seriamente a respeito do que de fato queremos.
Será que realmente estamos dispostos a dar crédito a entendimentos que desafiam nossas mais caras certezas?

Se sim, talvez seja um bom começo nos conscientizarmos de que, por princípio, pontos de vista diferentes dos nossos são sempre benéficos.
Pois se incorretos, ao confirmar nossa visão, podem nos mostrar aspectos que não havíamos considerado.
E com isso, nos provocar novas ideias que façam evoluir nossas verdades antes inquestionáveis.
Ou…se verdadeiros, podem mesmo nos mostrar que de fato, nós é que estávamos errados.
Na minha opinião, nas duas hipóteses saímos ganhando.
Tanto ao melhorarmos o que já era bom quanto ao corrigirmos um erro que tenderia a se perpetuar.

Parece então uma ótima providência, trocarmos nossas certezas absolutas e por isso mesmo, limitadas, por certezas relativas que evoluam, floresçam e nos ajudem a crescer.

Quanto àquele medo insensato de que contradizer-nos causará estragos insuportáveis à nossa imagem, pura bobagem.
Mudar de opinião só descredencia quem por si já não tem crédito.
É nosso histórico que garante nosso valor.
E é a honestidade de assumirmos nossos equívocos que mostra nossa grandeza e desprendimento.

Já dizia Miguel de Cervantes: “É de sábios mudar de opinião.”

Agradeço o interesse e paciência do leitor.
Comentários e críticas serão sempre bem-vindos.