Será que ética não é suficiente para agirmos…eticamente?

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Era setembro de 2015 e eu ocupava um lugar na primeira fila de um pequeno mas importante fórum de governança corporativa.
O debate havia sido organizado por uma entidade altamente respeitada e os palestrantes eram consagradas autoridades no assunto.
A maioria dos presentes era de conselheiros de administração e consultores de governança corporativa.
Discutíamos como garantir a efetividade dos conselhos de administração nas empresas.
O pano de fundo eram os casos de desmando e corrupção estampados nos jornais, envolvendo governo e iniciativa privada.
Várias das empresas investigadas tinham conselhos de administração bem estruturados e manuais de governança corporativa primorosos.
Aparentemente em vão.
O sentimento reinante no fórum era de desalento.
A grande pergunta era o que faltaria para que os conselhos fizessem seu trabalho com seriedade.
A legislação precisaria de reforço?
As entidades reguladoras não seriam suficientemente diligentes?
O novo código nacional de boas práticas de governança, em elaboração por várias entidades conjuntas, conseguiria melhorar esse quadro?

Havia uma concordância geral de que as três hipóteses acima não eram suficientes para justificar os constatados desvios de conduta dos conselhos.
A certo ponto, já sem alternativas relevantes, o principal palestrante disse que, de alguma forma, as empresas tinham que ser constrangidas a fazer a coisa direito.
Achei a ideia fascinante.

Então abriram os debates para a plateia e eu resolvi dar a minha contribuição.
Dispensei legislações, códigos e regulamentações porque o ser humano é expert em driblar regras.
Fui na mesma linha do palestrante principal: a do constrangimento.
Já que as grandes empresas se gabam de ter conselheiros famosos em seus quadros, que tal se montássemos um banco de conselheiros éticos?
Faríamos uma campanha nacional a esse respeito e constrangeríamos as empresas a ter pelo menos um conselheiro ético em seus conselhos.
Se regras não funcionam talvez tivéssemos chances com a exposição pública.

Para minha surpresa, o principal palestrante hesitou.
Iniciou um discurso discretamente evasivo e culminou dizendo que ele próprio tomava multas de trânsito e por isso ficava difícil ser rigoroso com a ética dos outros.
Em seguida passou a palavra para um de seus pares na plateia.
E o que este último disse foi: “não é uma questão de ética e sim, de atitude”.

De surpreendida eu passei a confusa.
O homem continuou sua argumentação.
A questão, segundo ele, era que os conselheiros careciam da iniciativa necessária.
Precisavam de mais atitude.
Aparentemente eram éticos o suficiente.

Para completar o quadro, um terceiro homem se manifestou.
Disse que era conselheiro, tinha tomado uma decisão ética em um conselho e estava sendo processado por causa disso.
Teria que provar às autoridades que tinha tomado uma decisão no melhor interesse da empresa.
Ou seja, a legislação – leia-se, o código moral – não lhe dava respaldo para ser ético com tranquilidade.

Oras, as três respostas eram surpreendentes e me levaram a uma reflexão séria.
Despersonalizando os resultados, cheguei a algumas conclusões interessantes.

1. Aparentemente há uma grande resistência por parte das pessoas em geral, em cobrar ética.
O pensamento está expresso na frase do principal palestrante: se eu passo o farol fechado, não sou totalmente ético e se não sou, não posso cobrar ética de ninguém.
2. As pessoas parecem não confiar que ser ético dará algum resultado.
Isso está na mensagem do segundo homem: não falta ética aos conselheiros mas mesmo assim, eles não se animam a tomar uma atitude.
3. Há uma crença generalizada de que abraçar a ética na teoria é o suficiente para desculpar a falta de ética nas atitudes.
Essa ideia também está na frase do segundo homem: os conselheiros não precisam de mais ética. Basta a que declaram, mesmo sem colocá-la em prática.
4. Pelo menos no tocante às empresas, a legislação não sustenta adequadamente decisões éticas nos conselhos.
A resposta do terceiro homem indica claramente essa situação: fui ético mas estou sendo processado por isso.

Eu poderia listar outras conclusões mas creio que essas bastem para nos preocuparmos muito.
Elas mostram que muito se fala de ética mas provavelmente pouco efetivamente se faz por ela.

Por onde vamos começar a mudar isso?

Talvez abandonando a velha desculpa de que, “porque não sou totalmente ético, não posso cobrar ética”.
Não existe nenhuma criatura cem por cento ética no planeta porque somos humanos e falhamos.
Aliás não existe ninguém cem por cento virtuoso em qualquer atributo que se queira escolher.
Não somos totalmente civilizados e nem totalmente pacientes ou totalmente compreensivos, para citar alguns exemplos.
Nem por isso deixamos de perseguir essas qualidades ou de as cobrar dos outros.
Por que com ética seria diferente?

E também poderíamos parar de esperar recompensa externa por sermos éticos.
Que espécie de afirmação é “sou ético mas não me comporto assim porque não adianta nada”?
Deveríamos perseguir a ética para satisfação de nossos princípios pessoais e não para termos ganhos instantâneos.
Certamente quando todos se comportarem eticamente, todos sairão ganhando.
Enquanto isso não acontece, deveria nos bastar sermos éticos porque acreditamos na ética, não acha?

E que tal se exercêssemos a ética que alardeamos em teoria?
Não há como nos considerarmos éticos se nossas atitudes não seguem os princípios éticos que declaramos abraçar.

Finalmente a lei, ora a lei…
Conseguimos derrubar um presidente, sustentar uma Operação Lava-Jato, produzir um Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa de alcance nacional.
Mas não somos capazes de fazer um movimento para produzir leis que protejam a ética nas empresas?
Somos a elite pensante deste país.
Os formadores de opinião da nação.
Que tal se começássemos uma campanha para melhorar o amparo legal das decisões éticas dos dirigentes de empresa?
Na falta de exemplos éticos na política, teríamos exemplos éticos na iniciativa privada.
Me parece um bom começo em uma sociedade tão carente de boas referências.

“Se a ética não governar a razão, a razão desprezará a ética… ” – José Saramago

Finalmente, encerro este texto com um convite à reflexão sobre o quanto realmente estamos dispostos a fazer pela ética.

Agradeço o interesse e paciência do leitor.
Comentários, críticas e sugestões serão bem-vindos.