Você sabe dizer a diferença entre Moral e Ética?

ZZZEtica

O ano era 1980 e lá estava eu sentada na terceira fileira do auditório da Universidade Mackenzie.
O local estava totalmente tomado pelos estudantes da Escola de Engenharia, todos ansiosos para que aquela cerimônia começasse e acabasse logo.
O novo reitor, professor Ricardo Teixeira Brancato, ia falar alguma coisa que não sabíamos o que era e pela qual aparentemente nenhum de nós tinha o menor interesse.
No entanto não havia muito o que pudéssemos fazer a não ser aguardar seu discurso.

Ser um jovem universitário naquele tempo era um desafio.
Historicamente estudantes sempre adoraram protestar contra tudo e contra todos.
Nós jovens da década de 80 entretanto, tínhamos praticamente nascido sob uma ditadura militar.
Crescemos ouvindo nossos pais nos orientarem a seguir as regras sem desafiar a autoridade.

Por outro lado esses pais e mães também não tinham vida fácil.
Educar filhos em um regime de exceção era uma tarefa mais do que árdua.
Eles precisavam nos convencer a nos submetermos a ordens e leis arbitrárias e ainda nos transmitir bons princípios e força de caráter.
Decididamente não era uma missão para amadores.

Talvez fosse por eles que estivéssemos ali sentados, aguardando estoicamente aquela cerimônia começar, em vez de estarmos bebendo cerveja no bar MacFil ali ao lado.

E foi provavelmente com o MacFil no imaginário geral que vimos o professor Brancato surgir no palco
Lembro-me de ter suspirado desanimada, antevendo um entediante discurso de posse.
Em vez disso o novo reitor optou por dar uma aula sobre uma matéria inédita para nós: ética.
Aquilo pegou os estudantes de surpresa e a princípio eu particularmente estava bastante descrente.
Em plena ditadura, qualquer autoridade falar a sério sobre ética era mesmo para duvidar.
Ainda que nem eu e nem aquele mar de futuros engenheiros tivéssemos certeza do que era exatamente aquela matéria.

Mas conforme o palestrante avançava sobre o assunto, passei de totalmente cética a francamente interessada.
Aquele tema expunha um horizonte imenso de novas possibilidades.
E  dava-me uma visão muito diferente e bem mais estimulante da minha realidade.

Era muito surpreendente a afirmação de que ética é diferente de moral.
Mais surpreendente ainda era saber que você poderia discordar da moral vigente e mesmo assim ser ético.
Em tempos de ditadura, isso era espetacular.
Explicava muitas coisas aparentemente incoerentes que meus pais me ensinavam a duras penas.

Como por exemplo, respeitar a autoridade mas não necessariamente acreditar nela.
Havia uma aparente inconsistência nesse ensinamento.
Que entretanto foi completamente aniquilada pela explicação cristalina do professor Brancato.
Ética, disse ele, avalia a conduta humana a partir dos princípios universais do bem e do mal.
Moral cuida das regras sobre certo e errado e é eminentemente local, baseada na cultura, hábitos e religião de uma determinada população.
Leis, por exemplo, são o código moral de uma comunidade e não são necessariamente éticas.
Oras, continuou Brancato, se até 1822 a escravatura era moralmente aceita no Brasil, eticamente ela nunca o foi.
Foi um exemplo libertador.
Encaixava-se perfeitamente na nossa dura realidade sob um regime militar.
Se por um lado tínhamos que respeitar a ditadura porque era a moral vigente, por outro não éramos obrigados a concordar com ela.
E qualquer julgamento ou atitude contrários seriam legítimos desde que respaldados pela ética.

Foi um jato de luz sobre nós jovens desencantados.
Dava-nos o caminho da coerência de propósito e valores em um tempo tão conturbado e de moral tão questionável.
Ao final da apresentação, o auditório inteiro se levantou e aplaudiu o professor Brancato em pé.
Aquela sua aula foi brilhante e provavelmente mudou a vida de muitos de nós.
A minha certamente.
Desde então, o embate entre moral e ética nunca mais deixou de frequentar minhas reflexões de vida.

Voltemos a 2015.
São 35 anos em que eu nunca mais ouvi falar de alguém que tenha tido aula de ética nas escolas.
E de uns tempos para cá passei a me preocupar com isso.
Não tenho mais certeza de que as pessoas saibam o que é ética.

Não há mais referências do que é ser ético e do que não é.
Os antigos exemplos foram esquecidos.
Os ensinamentos foram colocados de lado.
As leis são ditadas pela moral discutível da classe política.
E a sociedade como um todo passou a confundir essa moral vigente com ética universal.
Por mais boa vontade que as pessoas tenham, não dá para ter uma conduta ética se você não sabe o que é isso.
Não dá para tomar decisões éticas sem saber do que se trata a própria ética.

Então creio que está na hora de mudarmos este quadro.
Está na hora de introduzirmos aulas de ética novamente nas escolas.
Está na hora de iluminarmos novamente as cabeças dos estudantes universitários.
Está na hora de revermos o que sabemos sobre ética e realinharmos nossos valores,  nossos propósitos e nossas atitudes com os princípios do bem universal.

Porque as decisões que determinam esta nossa realidade são nossas.
E se elas não forem pautadas pela ética, continuaremos a comprometer o nosso presente, o nosso futuro e o legado que deixaremos para as próximas gerações.

“Faça o que fizer, faça-o bem.” – Abraham Lincoln

 

Obrigada por seu interesse e paciência.
Seus comentários, questionamentos e críticas serão muito bem-vindos.
😉