Confiar em suas certezas é o suficiente para você chegar aonde quer?

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Dr. Nelson era um dentista excepcional.
Formado em medicina pela USP, havia se especializado em odontologia quando a faculdade dessa disciplina ainda nem existia.
Sagrou-se mestre e doutor na área e quando finalmente a Faculdade de Odontologia da USP foi aberta, Dr. Nelson foi um de seus primeiros catedráticos.

Com toda a sua paixão pela profissão entretanto, ele não conseguia despertar em seu filho sequer um pequeno interesse.
Nelsinho queria ser engenheiro.
Dr. Nelson se perguntava onde tinha errado.
Na sua opinião, engenharia era uma profissão metódica e sem alma.
E como engenheiro, Nelsinho jamais trabalharia com ele ou usufruiria de seu legado profissional.
Mas como nada podia fazer, Dr. Nelson aliviava sua frustração dedicando-se à pesquisa.

Entre suas investigações, havia um mistério odontológico aparentemente insolúvel.
Por que as cáries dentárias muito frequentemente surgem de maneira simétrica na boca.
Dr. Nelson vinha há anos pesquisando uma resposta para isso.
Já tinha apelado para microbiologia, fisiologia bucal, bioquímica e outras especialidades da área médica.
Nada parecia explicar o fenômeno.

Até que em um belo dia, seu filho apareceu em seu consultório para um atendimento clínico.
Nelsinho cursava o quinto ano de engenharia e estava feliz com sua escolha.
Dr. Nelson abriu a boca do filho e constatou sua velha questão: cáries simétricas na arcada inferior.
Fez as restaurações, chamou a atenção de seu filho para a higiene bucal e soltou sem querer a pergunta que o acompanhava havia anos.
“Então meu filho, por que será que temos cáries simétricas na boca?”
Para seu espanto, seu filho respondeu: “Provavelmente por causa do desequilíbrio elétrico que a primeira delas causa. Estudei isso na aula de Corrosão”.

Para encurtar essa história, a resposta de Nelsinho virou tese de doutorado de um dos alunos do Dr. Nelson.
E formado engenheiro, o filho passou a ser consultor do pai na área de estruturas de restauração dentária.
Quanto à tal tese, eu não sei a conclusão porque o verdadeiro Dr. Nelson faleceu antes de me contar.
Mas uma coisa ele me confessou: ele poderia passar o resto da vida pesquisando aquele mistério, sem jamais pensar na alternativa que um engenheiro lhe sugeriu.

História interessante, não?
Provavelmente em algum momento de nossas vidas ela já aconteceu conosco ou vai acontecer.
E talvez não consigamos identificá-la.
Então que tal abrirmos nosso leque de opções em vez de seguirmos a trilha segura – e previsível – de nossas convicções?
Não precisamos derrubar todas as nossas certezas e nem duvidar de todo o conhecimento que acumulamos.
Mas parece interessante admitirmos possibilidades diferentes das que estamos habituados.

Talvez a maior dificuldade desse processo seja identificar que paradigmas quebrar.
Além da provável falta de prática em executar essa investigação, temos que enfrentar nossa própria resistência em desafiar nossas convicções.
As razões para isso são compreensíveis.

Examinemos por exemplo, as certezas que nos foram transmitidas por tradição, educação ou aconselhamento.
Nós as adotamos porque confiamos em quem as passou.
Suspeitar delas poderia, por extensão, significar duvidar de quem as transmitiu para nós e tendemos a resistir a isso.

Existem também as certezas construídas por nós.
Por nossas experiências de vida, nossa formação escolar, nossos aprendizados diversos.
Nós praticamente passamos nossa existência lapidando essas certezas.
Questioná-las pode nos fazer sentir como se negássemos tudo o que aprendemos, a posição que conquistamos e até mesmo o legado que construímos .

Finalmente*  temos  as certezas que abraçamos quando integramos um grupo ou comunidade.
Aquelas em que todos daquela coletividade acreditam e que nós acabamos por acreditar também.
Desafiá-las significaria ir contra as convicções de todas as pessoas que nos cercam.
O filme A Grande Aposta sobre a crise imobiliária americana mostra bem essa situação.

Mas se tudo parece tão ameaçador assim, por onde podemos começar?
Parece-me adequado começarmos questionando algo que não nos ameace.
Aquelas pequenas certezas que se forem derrubadas, não provocarão grande impacto material ou emocional em nossas vidas.
Como as que herdamos e nem nos passou pela cabeça questionar.
Por exemplo, a tal história de que não se pode comer manga com leite.
Ou beber álcool quando se está tomando antibiótico.
Investigá-las – e a Internet está aí para isso – pode até não desmascará-las mas provavelmente nos dará outra compreensão a respeito delas.
E isso pode nos ajudar a superar a resistência em testar nossas certezas.

Já com alguma prática, poderemos ir além.
Poderemos passar a investigar alternativas para algumas coisas que fazemos sempre do mesmo jeito.
Poderemos pensar em soluções diferentes para rotinas simples ou, soluções criativas para pequenos problemas que insistem em atrapalhar nosso dia a dia.
Debater essas questões com alguém ou um grupo, é sempre uma boa ideia.
O resultado pode nos surpreender e nos mostrar opções que possivelmente estavam debaixo do nosso nariz e não víamos porque estavam fora do nosso radar direcionado.

Esse exercício de procurar alternativas, mesmo em grupo, certamente fortalecerá nossa iniciativa de nos abrirmos para novas possibilidades.
E dessa forma poderemos ir aumentando a ousadia de nossas investigações até nos arriscarmos a identificar e desafiar paradigmas mais complexos.
Aqueles que nos são caros mas que podem limitar nosso crescimento.
Um bom exemplo disso são as referências finais a Galileo, Pasteur e Darwin no meu post anterior.

Finalmente, talvez o passo derradeiro para abrirmos nossos horizontes seja algo muito ousado.
Algo que passe pelo exercício do desprendimento e da superação dos nossos medos.
Ou talvez simplesmente algo que nos ajude a superar nossas resistentes vaidades pessoais.

“Quem perde o telhado, ganha as estrelas.” – Anônimo

*Observações:
– Existe mais um tipo de certezas que identifico: são as que adotamos porque atendem a uma necessidade emocional e/ou espiritual nossa.
Pela delicadeza de sua natureza, elas não são objeto deste post.
– Os tipo de certezas que citei podem não abranger todas as possibilidades.
Eles são apenas aqueles que identifiquei.
Ficarei feliz se o leitor me trouxer os que eu possa ter deixado de mencionar.

Agradeço como sempre, sua paciência e interesse.