A origem do provérbio que abre este artigo é atribuída a Santo Ambrósio, bispo de Milão, e data do século IV d.C. Nem sempre alcançado, seu conteúdo é profundo e filosófico apesar da frase
ser curta – típica de citações em latim.
Ele indica que, muito além de simular os membros de uma comunidade desconhecida, qualquer pessoa deve respeito à cultura, tradições, valores e normas sociais do local que visita. Implicitamente também sugere que, para integrar-se, o forasteiro deve se abster de prejulgamentos e críticas sobre quaisquer particularidades daquela sociedade, sob o risco de passar por arrogante e não ser acolhido. No limite, pode até mesmo ser expulso.

Roma e os romanos: uma analogia
No universo das entidades empresariais, as empresas de controle familiar e fundador ativo são consideradas um mundo à parte. Assim sendo, é interessante explorar algumas de suas
peculiaridades.
Historicamente uma empresa familiar surge da necessidade de alguém sobreviver ou de materializar uma visão – ou muitas vezes, de ambas. Acrescente-se o dom do empreendedorismo e o resultado é o início de uma atividade destinada a gerar riqueza, baseada quase que só na intuição.
Até que aquela operação estabilize, o empreendedor atravessa uma jornada de desafios insólitos, imprevisíveis e muitas vezes mortais. Nessa trajetória, ele desenvolve não apenas seu negócio, mas principalmente seu conhecimento sobre ele, assumindo todas as funções necessárias: comprador,
vendedor, produtor, administrador etc. Também desenvolve processos e soluções autorais que muitas vezes configuram tecnologia inédita, acumulando conhecimento suficiente para ter o funcionamento de sua criação correndo nas veias.
Sua atividade se torna reconhecidamente uma empresa quando atinge o equilíbrio financeiro, juntamente com a validação de seu ecossistema de fornecedores, clientes e colaboradores. Essa vitória é normalmente alcançada enquanto ele ainda centraliza todas as decisões.
Essa sincronia não é uma coincidência já que a validação externa da empresa está intrinsecamente conectada à sua figura. Tal conexão, por sua vez, é fruto da clara simbiose desenvolvida ao longo do tempo entre criador e criatura. Ela é tão forte que os dois passam a constituir praticamente um
único organismo. O resultado desse vínculo é uma organização única, com cultura, tradição e forma de comunicação singulares, que funciona sob uma lógica própria alinhada à do fundador e que vê nele uma figura quase mítica. No tocante a este líder, essa conjuntura ecoa sua convicção de que é ele o único responsável pela sobrevivência e êxito de seu empreendimento. É, portanto, bastante natural que venha a manifestar, em intensidades variadas, um viés centralizador e controlador, além de forte resistência a renunciar à sua posição de mando.
Neste cenário, quando este regente escolhe buscar suporte profissional para construir a governança em seu negócio, ele se vê na posição de desafiar suas crenças de onisciência, autossuficiência e muitas vezes, imortalidade. Portanto, mesmo decidindo seguir em frente, é grande a possibilidade de ele inconscientemente apresentar grande resistência à atuação dos que vêm atender sua demanda.
Esta relutância pode se manifestar de várias formas. Desde a contratação de especialistas de competência insuficiente, passando por fortes objeções geradas pela sensação de impessoalidade, podendo incluir sabotagem e até mesmo boicote das mudanças acertadas. Resulta muitas vezes na instalação superficial e transitória da governança ou mesmo no encerramento prematuro dos trabalhos e abandono definitivo da iniciativa, com a confirmação de que “governança é um
modismo que não serve para nós”.

Um estrangeiro em Roma
Quando profissionais de governança corporativa, consultores ou conselheiros, são requisitados por um fundador de empresa familiar para atuar nela, é comum que os primeiros se apresentem na posição de autoridade, com maior poder na matéria do que o solicitante. Embora automático, este posicionamento pode causar, no proprietário, o acirramento de sua já citada resistência ao processo.
Para ele, é como ter um estranho invadindo seus domínios, se expressando em um dialeto desconhecido, julgando criticamente suas decisões e/ou sua obra e afirmando que, de acordo com a mais avançada expertise, tudo precisa mudar.
A partir de seu estado de ânimo, quaisquer perguntas dos profissionais para conhecer ou diagnosticar a empresa lhe parecem superficiais, desfocadas, vinculadas a informações irrelevantes e, sendo feitas em dialeto diferente do local, soam incompreensíveis e pretensiosas. Em resumo, ele não sente, da parte do entrevistador, o reconhecimento do real valor da empresa em sua concepção original. O resultado é uma conexão frágil ou mesmo sua completa ausência.
Neste contexto, com que profundidade esses especialistas esperam ser ouvidos ou ter seus conselhos, propostas de mudanças e novos caminhos compreendidos e adotados?

Em Roma, seja romano
Para um forasteiro ser rápida e genuinamente acolhido pelos romanos, ele antes precisa aprender seu idioma, identificar seus valores e sem pré-julgamentos, explorar e compreender sua cultura, hábitos e motivações históricas. Só então entenderá o contexto daquela sociedade e será bem-vindo para genuinamente se conectar a ela.
Qualquer semelhança com as empresas familiares não é mera coincidência.

Este artigo foi produzido a partir da 3ª edição do IBGC Dialoga que ocorreu no período de março a junho de 2022.