Embarque para o conselho do futuro: quem tem o valor para a passagem?
O transporte que nos aguarda com os motores ligados e que nos levará para o conselho
do futuro não é um trem-bala nem um avião turbinado. É um jato supersônico que, se
tivesse os assentos ao ar livre, não permitiria que ouvíssemos nossas próprias palavras –
pela física, a essa velocidade o som de nossas vozes não nos alcançaria.
Não faz muito tempo que o conselho administrativo se tornou uma estrutura relevante.
Até meados dos anos 1990, ao ouvirmos que “fulano foi para o conselho”, entendíamos
que ele tinha assumido lugar em um órgão inefetivo destinado basicamente a manter seu
status e seus rendimentos.
Foi no começo dos anos 2000 que esse colegiado passou a ganhar importância, na
medida em que acionistas e investidores entenderam ser necessário um fórum de
alinhamento entre eles e a gestão executiva das empresas.
Essa necessidade premente resultou no resgate da função administrativa original do
órgão – que havia sido desviada ao longo do tempo. A partir de então, entrou em curso
uma lenta transição dos clássicos conselhos inoperantes – e seus conselheiros
acomodados – para novos conselhos efetivos, nos quais o papel de cada integrante
passou a ser cada vez mais profissional e consequente.
Voltemos ao jato supersônico estacionado ali na porta. De onde ele surgiu? Surgiu da
mistura do avanço tecnológico em velocidade exponencial, das consequentes mudanças
disruptivas intermináveis, dos jovens que já nasceram adaptados a essa nova realidade e
dos homens e das mulheres nascidos no século XX e que produziram tudo isso.
Sacudidos por esse cenário, profissionais de todas as áreas passaram a se preocupar com
o que esperar dessa nova realidade.
Aqueles ligados à governança corporativa não são exceção. Nesse momento, os mais
conscientes investem sua experiência e seu intelecto no esforço de prever para onde
caminhará o conselho atual que, com vinte anos de idade, mal saiu da adolescência.
Nesse processo, investigam também quais competências são necessárias para que um
conselheiro faça parte do colegiado que está por vir.

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Apesar de uma parcela das habilidades mapeadas não ser novidade, aparentemente a
maior parte identificada é inédita e está diretamente conectada às disrupções
tecnológicas do século XXI.
Por consequência, é provável que grande parte dos conselheiros atuais não disponha de
repertório para suprir as novas aptidões.
E é bem possível (e compreensível) que, mesmo procurando se atualizar, muitos deles
encontrem sérias dificuldades para superar seus limites.
Por que motivo?
Talvez porque tenham crescido em um mundo onde os computadores engatinhavam e os
telefones eram presos à parede por um fio. Ou talvez porque a progressão em que esse
mundo evoluía era aritmética enquanto hoje ela é exponencial.
Isso significa que eles estão fadados a serem excluídos do conselho do futuro?
A meu ver, não necessariamente.
Existe algo que os melhores conselheiros de hoje possuem e que pode ser imprescindível
aos conselhos vindouros: a experiência prática.
Apesar de ser inegável que os princípios e fundamentos da governança corporativa
possam ser registrados e transferidos para gerações futuras, isso seria insuficiente, pois
o exercício deles não pode. E, conforme demonstra Nassim Taleb em seu livro Antifrágil:
Coisas que se Beneficiam com o Caos, o conhecimento é adquirido e desenvolvido
baseado na realidade prática e não o contrário.
Esse contrário seria como observar homens andando, explicar esse movimento por física
e anatomia, registrar tudo em um manual e, por fim, entregá-lo aos bebês do futuro
esperando que, com base nele, os pequenos saiam andando por aí.
Sendo assim, não me parece eficiente e nem realista esperar que os conselheiros do
futuro desempenhem bem seu papel, orientados unicamente pelos princípios da
governança e pelas previsões teóricas das necessidades e dos objetivos dos conselhos do
amanhã, por mais precisas que elas possam ser.
É como dizia Yogi Berra (do Hall da Fama do beisebol americano): “Em teoria, não há
diferença entre teoria e prática. Na prática, há”.
Portanto, entendo que, mesmo que poucos alcancem esse objetivo, os conselheiros de
hoje têm a importante missão de se prepararem para embarcar no jato do futuro e assim
contribuírem com suas experiências na composição de um colegiado inédito e de
atributos sem precedentes.
Lembrem-se: não temos muito tempo.

 

Este artigo foi originalmente escrito como parte dos projetos de divulgação da Comissão de Conselhos do Futuro do IBGC em 2022.