Você acredita que o valor de uma opinião depende de quem a emite?

CalvinPalpites12

O curto episódio a seguir foi narrado mais extensamente no post anterior.

Marie frequentava semanalmente o Clube Francês como convidada.
Um belo dia, inesperadamente, passou a ser assediada por Ermelino, um diretor dali, casado.
Apesar de ter deixado claro seu desinteresse, o assédio persistiu por semanas.
Até que sua paciência se esgotou e ela publicamente convidou o assediador a afastar-se definitivamente dela.
Como retaliação pela humilhação, Ermelino declarou que a expulsaria do clube se ela ali retornasse.
Também ameaçou abrir queixa formal contra a amiga que a convidava, junto à direção da associação.
Marie então chamou um advogado para saber como defender-se.
E sem solicitar, passou a receber dos conhecidos e amigos do clube, todo tipo de palpites sobre o que fazer.

Escutando o que cada um deles tinha a lhe dizer, Marie percebeu algumas coisas bem interessantes.
Exceto por duas testemunhas oculares, todos os demais não sabiam o que realmente tinha acontecido.
E também não lhe perguntaram.
Manifestaram opinião com base em informações transmitidas a eles por terceiros.
Houve quem a apoiasse porque concordava com suas atitudes e reações.
E houve quem lhe desse apoio simplesmente por não gostar de Ermelino.
Houve quem tentasse dissuadi-la de defender-se por medo de acabar envolvido indiretamente.
E houve quem desqualificasse o episódio por considerar Marie excessivamente rigorosa e até presunçosa.

A maioria dos que se manifestaram trazia opiniões baseadas em crenças e preconceitos.
Apenas dois entre nove, trouxeram informações objetivas e úteis, apoiadas em fatos.
Mesmo assim um deles desaprovava sua reação.
O outro não tinha credibilidade para que sua informação fosse levada a sério.
Duas pessoas que acreditavam não ter nada a perder no episódio foram as únicas que lhe ofereceram ajuda concreta.
Os demais que a apoiavam não tiveram coragem de desafiar o status quo.

Alguns aspectos dessa história parecem bem conhecidos, não?
Provavelmente os mais relevantes são:
1. Nós seres humanos, somos propensos a nos envolver emocionalmente nos problemas dos outros.
Por causa desse envolvimento, nos é muito difícil dar uma opinião isenta e imparcial.
2. Se tivermos que julgar uma situação ou pessoa, tendemos a defender o grupo social a que pertencemos.
Desafiá-lo significaria sair de nossa zona de conforto.
O que implicaria em riscos que normalmente não estamos dispostos a correr.
3. Quando damos opinião sobre situações alheias, pensamos no que seria melhor para nós e não necessariamente para quem opinamos.
Não conhecemos inteiramente o contexto do outro.
E mesmo que nos informemos, é provável que aspectos importantes nos sejam omitidos por defesa.
Além disso, tendemos a pensar que o que é bom para nós é necessariamente bom para todo mundo.

Essas considerações entretanto, não significam  que devemos desprezar as opiniões dos outros.
De fato, ainda que sejam contaminadas por inúmeros fatores que possam distorcê-las, elas quase sempre trazem conteúdo útil.
É apenas uma questão de saber garimpá-lo.

Uma forma interessante de fazer isso é separar as opiniões que recebemos de acordo com o conteúdo:

1. Opiniões que contém informações objetivas e concretas.
Mais do que opiniões, são informações que trazem fatos concretos e que não carecem de interpretação.
É importante levá-las em consideração, independentemente de quem as traz e por quais motivos.
Pode-se até cogitar a hipótese de não serem precisas ou reais.
Mas uma vez investigadas, podem fornecer dados relevantes para o esclarecimento e solução da situação em questão.
No caso de Marie, alguém lhe disse que o estatuto do clube não dava ao diretor o poder de expulsá-la dali.
Apesar de ser uma notícia potencialmente útil e importante, veio de alguém que demonstrava forte preconceito.
Marie entretanto resolveu investigá-la.
Foi uma decisão acertada.
A informação tinha fundamento e ajudou Marie a solucionar seu impasse.
Portanto opiniões com informações objetivas são as mais interessante para se considerar.
São as mais fáceis de serem investigadas e portanto a mais facilmente utilizadas ou descartadas.

2. Opiniões que trazem juízo de valor sobre informações concretas.
Essas opiniões trazem a interpretação de fatos sob a ótica de quem as emite.
Oras, a interpretação de um fato depende do autor.
De suas experiências, crenças, personalidade, etc.
Por isso mesmo, interpretações pessoais não necessariamente são verdades absolutas.
Na história de Marie, alguém lhe disse que a informação dada por seu amigo bêbado não deveria ser considerada porque ele era alcoólatra.
De fato, o amigo era alcoólatra mesmo.
Mas o julgamento de que por causa disso, sua informação não tinha valor, estava errado.
Portanto é fundamental separar o juízo de valor, da informação objetiva contida nele.
A informação, como dito no item 1, sempre pode ser investigada e se mostrar útil, tanto como apoio quanto como alerta.
O julgamento entretanto,  só será útil se vier de fonte experiente, equilibrada e confiável.

3. Opiniões majoritariamente baseadas em julgamento ou interpretação.
Essas opiniões trazem pouca ou nenhuma evidência material.
Uma parte delas se baseia em boatos, fama, preconceitos, conselhos de terceiros, crendices, informação teórica sobre o assunto, etc.
Ou seja, nenhuma experiência prática.
Neste caso, seu valor depende da investigação de tantos fatores que se torna muito arriscado confiar nelas.
O restante baseia-se em experiências semelhantes, com outros personagens e ou outras circunstâncias.
Neste caso, como dito no item 2, o valor destas só será real se vier de fonte experiente, equilibrada e confiável.
Na história de Marie, uma de suas amigas declarou ter medo das consequências de estar indiretamente envolvida em sua briga.
Não havia evidência material nenhuma que suportasse esse temor.
Sua declaração estava baseada unicamente em sua insegurança e na fama de destempero do diretor que ameaçou Marie.
Portanto opiniões majoritariamente baseadas em julgamentos e conjecturas podem trazer mais dúvidas do que certezas.
Não vale a pena explorá-las.

Finalmente, o mais importante é confiarmos acima de tudo em nosso discernimento, bom senso e inteligência.
Ou em alguém que tenha essas características e conte com nossa confiança, para nos auxiliar.
Sem dúvidas sabemos mais do que ninguém o que é importante para nós, o que nos interessa e onde queremos chegar.
De onde concluímos que o valor da opinião dos outros depende mais de quem a recebe do que de quem a emite.

Agradeço a paciência e interesse daqueles que lêem meus textos.
Comentários, críticas e sugestões serão sempre bem-vindos.